segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Legendarium entrevista: Cláudio Lucena




Cláudio Lucena é professor do Departamento de Direito Privado da Universidade Estadual da Paraíba. É também professor em diversos cursos de especialização, e da Escola Superior de Advocacia da OAB. Coordena linhas de privado no Grupo de pesquisa em Direito, Tecnologia e Sociedade do Centro de Ciências Jurídicas da UEPB. É membro do IBDE, Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico, e colaborador do Jornal da Paraíba, onde escreve coluna jurídica semanal. Advogado com experiência em responsabilidade civil, contratos, tutela jurídica da atividade jornalística, propriedade intelectual e direito de tecnologia da informação. Especialista em Direito Civil e Empresarial pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (2003) e em Ciência da Computação pela Universidade Federal da Paraíba (2001). Foi também analista de suporte e administrador de sistemas. trabalhou com ensino de línguas e tradução de texto. com comunicação, apresentação e redação em rádio e TV, como produtor de áudio e como músico profissional.

Na entrevista que segue o eminente jurista nos fala, com base em sua vasta experiência acerca da relação entre o Direito e as Novas Tecnologias.



01. Legendarium  - O crescimento das diversas relações sociais na internet, bem como a massificação deste meio, há algum tempo, vêm causando um forte impacto na ciência jurídica, ocasionando o surgimento de diversas lacunas. Com isso, observa-se a consolidação do chamado Direito Eletrônico ou informático, digital etc. Fale-nos um pouco desta área do Direito.

Cláudio Lucena - Hoje há um debate sobre a existência ou não de um ramo autônomo da ciência que trata desta conversa entre direito e tecnologia, e até mesmo sobre como esse ramo deveria ser chamado. Eu penso que este debate tem seu valor em termos de precisão científica, mas a verdade é que ele perde importância diante do fato – e esse é incontestável – de que o impacto das tecnologias de informação e comunicação no comportamento humano é um fenômeno dos mais interessantes que a nossa geração acompanha. É isso o que importa. Essa é a constatação e a premissa que deve conduzir a construção de modelos normativos para este cenário. Como este comportamento humano quase sempre gera efeitos jurídicos, é natural que o Direito procure inserir-se nessa discussão. Se essa inserção é através de um ramo autônomo ou não, no momento, isso parece ser secundário. O fundamental agora é que não se deixe este admirável mundo novo da tecnologia abrir muita distância em relação às ferramentas jurídicas que devem regular as vidas das pessoas. 

O direito historicamente avança muito lentamente. Se essa distância ficar muito grande, há um risco do direito como nós o conhecemos, perder o bonde da evolução humana, e perder, por consequência, a sua função de controlar a vida em sociedade, pra ser substituído, evidentemente, por algum outro mecanismo. Muitos já perceberam a importância de analisar, sob o ponto de vista jurídico, as transformações que as tecnologias vem introduzindo nas relação sociais, e sob este aspecto, está consolidado o estudo científico das relações entre Direito e Tecnologia. Se um ramo autônomo chamado Direito Eletrônico, Direito Digital ou outra denominação está consolidado, eu diria que não, porque enxergo que estas relações se dão em microssistemas jurídicos já existentes, como o processo civil, o direito civil, o direito do trabalho, penal, tributário, autoral, enfim, cenários que o direito já conhecia e disciplinava, mas que a tecnologia alterou e continua alterando profundamente.

02. Legendarium  - O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, disse nesta terça-feira (23/08/2011), ao participar de audiência pública na Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicação da Câmara dos Deputados, que o texto que trata do marco civil da internet está pronto. Explique-nos este projeto, elencando seus objetivos.


Cláudio Lucena - O Marco Civil foi enviado à Câmara como Projeto de Lei na última quinta-feira e trata, num resumo bem breve, da disciplina jurídica civil do uso da Internet no território brasileiro. 

A pretensão é disciplinar o uso da rede, o registro de conexões e acessos, estabelecer conceitos técnicos, funções e prerrogativas do poder público, garantias do cidadão e esclarecer a atribuição de responsabilidade por danos. Os objetivos declarados são os de balizar a contratação privada eletrônica, nortear o exercício da liberdade de expressão, assegurar harmonia na interpretação judicial destas questões no país, para que boas políticas públicas possam ser conduzidas e a democracia possa se desenvolver neste cenário. Há um objetivo no texto que, apesar de não declarado, é evidente, que é suprir a lacuna existente na legislação brasileira positivada a respeito da forma e da obtenção de provas e evidências de atos praticados em meios eletrônicos, que afinal de contas, acaba sendo a verdadeira discussão e o grande debate em torno deste agora Projeto de Lei: a extensão da garantia de reparação de danos a direitos individuais que sistemas jurídicos como o brasileiro atingiram em um ambiente físico, convencional só é possível em meios eletrônicos se optarmos por arriscar outras garantias como a liberdade de expressão e a privacidade. Não há mágica nesta equação social. Não há mais como manter estas garantias no mesmo patamar e qualquer discurso nesta direção ou é tolo ou é desonesto. Estamos, enquanto sociedade, no momento de optar por um destes lados. Isso vai acontecer, e vai acontecer agora. É tentar participar, interferir com os instrumentos legítimos, torcer pra escolha ser a certa, e esperar o resultado.

03. Legendarium  - Podemos dizer que já existe uma grande afinidade da Justiça com o uso das novas tecnologias? Em sua opinião, o Poder Judiciário está conseguindo lidar com essas transformações?




Cláudio Lucena - Em um aspecto, o Poder Judiciário brasileiro está lidando surpreendente bem com estas transformações. Está, sem exagero, na vanguarda mundial em termos de utilização de tecnologias no dia a dia da condução de seus processos judiciais. É uma condição que eu tenho podido constatar pessoalmente, porque nos últimos anos tenho estudado e tenho sido um divulgador dessa experiência. 

Há um núcleo de estudo e pesquisas em Direito e Tecnologia no Centro de Ciência Jurídicas da UEPB, e os trabalhos mais importantes deste núcleo, que está se formalizando como um Grupo de Pesquisa são exatamente nesta área. Do ano passado pra cá, publicamos e apresentamos trabalhos relacionados à experiência brasileira de processos judiciais eletrônicos em universidades prestigiadas na Áustria, na Inglaterra, na Grécia, na Espanha, e ainda este ano volto à Europa, em outubro, pra apresentar resultados desta pesquisa na República Tcheca. Em julho deste ano estive na África do Sul, expondo e apresentando o trabalho a pesquisadores, juristas, analistas de sistemas e membros da administração pública sul-africana e a reação é invariavelmente a mesma, em todos os lugares: o avanço do país nessa área surpreende, impressiona e, claro, atrai a atenção para o trabalho. 

Este ano, colegas espanhóis, portugueses, italianos e esta semana um colega sul-africano vem a Campina Grande, todos interessados em conhecer quanto e como avançamos. A sensação de que estamos à frente de todos os demais países do mundo nesta área é muito gratificante, principalmente porque o judiciário talvez seja o segmento mais conservador da sociedade, atrás apenas das religiões mais tradicionais. Ter vencido esta resistência, decidido implementar e adotar estas tecnologias na sua atividade diária, das cortes superiores às primeiras instâncias, abriu caminho para que o judiciário brasileiro possa evoluir, concretizar este movimento e oferecer, num futuro próximo, uma alternativa viável à solução eficiente e em tempo razoável dos conflitos sociais que precisa administrar.

Agora, é preciso registrar que esta posição de liderança é exclusivamente em relação ao uso da tecnologia como ferramenta nos tribunais. Em relação à essência da compreensão das mudanças de comportamento, da velocidade do fenômeno social do uso da tecnologia e das consequências jurídicas propriamente ditas destas transformações, acredito que o judiciário brasileiro, salvo as exceções de alguns magistrados já bastante familiarizados, que contribuem ativamente pensando esta nova realidade, ainda tem compreensão muito estreita, muito limitada, e que precisa avançar muito.

04. Legendarium  - Diante dos grandes avanços tecnológicos, como as universidades devem atuar para a formação deste novo profissional, o “Cyber Jurista”?

 

Cláudio Lucena - As universidades estão preocupadas com a formação deste profissional. Praticamente todas elas já incluem em suas grades curriculares disciplinas que relacionam direito e tecnologia, ainda que na condição de eletivas ou optativas. O que me parece que está acontecendo agora é a concretização de uma ideia já bastante antiga de alguns de nossos antecessores mais visionários, que percebiam há algum tempo que quem conhece apenas direito não tem o repertório suficiente para solucionar os problemas que lhe são postos. Isso é particularmente verdadeiro hoje em dia, e não apenas nas relações entre direito e tecnologia. 

O mundo inteiro é interdisciplinar e sem esta perspectiva um profissional do direito não anda bem. Quem trabalha com direito ambiental precisa ter conhecimento de ecologia, biologia e outras áreas relacionadas. Quem trabalha com responsabilidade civil na área de saúde precisa aprofundar-se nos conceitos, nas informações e na realidade da arte médica. Não estou falando de formação acadêmica, graduação ou pós-graduação, mas da percepção, cada vez mais lógica, de que o direito não age dentro de seu próprio cenário, mas em um cenário social ou profissional já posto, que tem cada vez mais as suas próprias regras técnicas, conformações, particularidades, e é o direito que tem que compreender estas características para que possa solucionar os conflitos de forma adequada. Formação continuada de professores que compreendam esta transformação, leitura, atualização, conhecimento, aprofundamento, formação interdisciplinar complementar, visão mais ampla do que a meramente jurídica, são condições fundamentais pra que as universidades formem um profissional de direito com condições de atuar neste mundo de especialidades, a tecnologia entre elas.

05. Legendarium  - Para finalizarmos esta honrosa entrevista, pedimos que nos fale um pouco sobre sua área de atuação no direito, e o que o conduziu a seguir esta carreira? Deixe-nos também algumas palavras e conselhos para os jovens juristas que almejam seguir este ramo do direito.


Cláudio Lucena - Queria agradecer o convite e externar a minha admiração pela iniciativa do Legendarium. Acompanho o portal desde a primeira entrevista, e considero que vocês estão fazendo uso excelente de um espaço naturalmente democrático pra promover exposição de ideias e uma interação que é fundamental pra nós todos, que vivemos uma transição muito importante entre um tempo em que tudo o que a maioria podia fazer era consumir conteúdo produzido em massa, para um tempo em que a regra é que cada um produza o seu próprio conteúdo e possa divulgar com custos muito baixos e com amplitude antes impensável. 

Eu procurei o curso de Direito depois de concluir o curso de Ciência da Computação. Estava aprovado com bolsa, para o mestrado em Engenharia da Produção, não tínhamos advogados na família, nunca quis fazer concurso público, e portanto não faço a menor ideia do que eu queria naquele momento. O que eu lembro é que achava que a carreira de computação era muito fria, talvez técnica demais pra mim, e também que foi um jeito de influenciar minha então namorada, hoje minha mulher, a tentar o vestibular para alguma coisa na UEPB, porque ela queria tentar Desenho Industrial na UFCG e nada mais. Passaram-se 13 anos, e hoje ela é professora de Desenho Industrial na UFPB, como certamente tinha planejado, mas a minha vida profissional tomou um rumo completamente diferente daquele instante. 

A advocacia, principalmente a advocacia empresarial, que é meu principal foco de atuação, me ensinou muito, já me realizou e já me decepcionou profundamente. É uma montanha-russa profissional, emocional e pessoal que nem todo mundo está preparado pra enfrentar. Acho que a preparação psicológica de um jovem numa faculdade de direito é um dos pontos frágeis da nossa formação. O cliente de um advogado ou de um escritório no Século XXI exige, porque tem condições e ferramentas pra exigir, muito mais do que um iniciante está preparado pra dar. Vitórias e derrotas se sucedem dia e noite, o que seria até normal, dada a natureza do ofício. Mas vitórias absolutamente inesperadas, derrotas totalmente inconcebíveis e batalhas sem fim descarregam doses enormes de adrenalina o tempo inteiro no sangue do advogado. É preciso se preparar para viver assim.

Eu não vejo como me distanciar definitivamente da advocacia, afinal de contas tem sido uma vivência muito intensa nestes quase 10 anos, mas a intensidade de uma paixão é demais pra ser eterna. Nos últimos anos tenho sentido que a Universidade pode me proporcionar uma realidade de trabalho, que, mesmo tendo seus desafios diários e metas de longo prazo, pode ser mais tranqüila, mais serena, tão ou mais gratificante, e com condições de durar por mais tempo, como um amor, talvez pra vida inteira. Aliás, fui professor a vida inteira. Tenho quase 22 anos de sala de aula, mas ainda não tenho nem 10 anos de experiência no Centro de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito de Campina Grande. Quero me preparar pra contribuir com o Centro e com a Universidade, porque acho que é aí que eu devo estar nos próximos anos. Acho que vivemos um momento fantástico, com o programa de pós-graduação crescendo, as vocações de pesquisa surgindo, parcerias chegando, intercâmbio crescendo, a massa de estudantes se transformando, os professores precisando acompanhar, enfim, parece um lugar onde a transformação, por algum tempo, será uma constante, e, portanto, um lugar bastante interessante pra estar e pra trabalhar. Quero fazer parte deste momento, planejar, influenciar, ser influenciado, agir, ajudar a desenvolver e a fazer do CCJ o que eu tenho convicção de que ele pode ser em médio prazo, que é um centro de referência no estudo e na pesquisa em Direito e Tecnologia.


Cláudio Lucena


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Entrevista Feita por Wollney Ribeiro
@wollneyribeiro



segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Legendarium Entrevista: Euler Jansen, Juiz de Direito


Euler Jansen é Juiz de Direito da 3ª Vara Mista da Comarca de Bayeux, professor da ESMA-PB, FESMIP-PB, especialista em Direito Processual Civil (PUC-RS) e Gestão Jurisdicional (UNIPÊ) e autor do livro "Manual de Sentença Criminal", 2a ed., Renovar, Rio de Janeiro, 1999. Conversamos como ele nesta entrevista sobre a lei 12.403/11 sob a ótica do magistrado.

01. Legendarium  - No inicio do mês entrevistamos o Doutor Felix Araujo Neto acerca da lei 12.403/11 que altera o processo penal em pontos vitais e assim tivemos o panorama desta norma na visão de um advogado. Qual sua concepção sobre esta lei do ponto de vista do magistrado?

Euler Janser - De forma estranha, a minha concepção sobre a Lei nº 12.403, não coincide com a da maioria dos magistrados com quem tenho conversado sobre o assunto. A lei está muito mistificada pelo imaginário popular e pelas más informações prestadas por boa parte da mídia sobre ela. Essa pressão dos meios de comunicação e social, talvez por eu ter lido e ponderado sobre a lei, ao menos "en passant", no dia de sua publicação, não me atingiu.

A minha concepção sobre ela é que ela apenas positivou algumas boas práticas e conceitos modernos do processo penal e de política criminal. E daí que não se pode decretar a prisão preventiva nos crimes dotados de pena inferior a quatro anos? O próprio Código Penal já permite há mais de vinte anos a substituição da pena privativa de liberdade aplicada até essa quantidade por restritiva de direitos? Será que a sociedade ganha alguma coisa por deixar um agente de um furto preso, a não ser, através de outros presos de maior periculosidade, ensiná-lo onde pode encontrar armas e fazer com que "evolua" para a prática de roubos?

Sim, nós juízes teremos mais trabalho, teremos que melhor fundamentar nossas decisões de decreto de prisão preventiva, termos que, antes de decretá-las, aplicar outras medidas cautelares, mas isso já fazia parte do "jogo", pois nada mais é do que dotar a liberdade individual da prioridade que lhe é constitucionalmente assegurada nos Estados que se dizem democráticos de direito, excepcionalizando a prisão, em especial a processual, anterior ao trânsito em julgado da sentença.

Antes da lei, a maioria dos juízes já estava um tanto quanto confusa com as mudanças nos requisitos jurisprudenciais da prisão preventiva que estavam, e ainda estão, sendo delineadas pelo STJ e STF. Acompanhar essas velozes e profundas mudanças quando se tem a responsabilidade de prolatar decisões que ponderam entre a liberdade individual e a segurança social é extremamente difícil, ainda mais quando a sociedade está impregnada de más concepções sobre o mister judicial, caraterizado por frases do tipo "a polícia prende os bandidos e o juiz solta".

02. Legendarium - Toda norma é resultado dos fatores que influenciam os legisladores no momento histórico de sua concepção. Quais as causas que o senhor identifica em nosso contexto atual que tiveram influência nesta norma, que altera aspectos tão significativos das prisões processuais?

Euller Jansen - Sem dúvida, foi o aumento da criminalidade, em especial, a organizada, capitaneada pelo tráfico de drogas. Também, a noção de que temos que cuidar dessa macrocriminalidade, priorizá-la, em detrimento de outros crime chamados de médio potencial ofensivo.



03. Legendarium  - A nova lei coloca a o monitoramento eletrônico como uma medida cautelar a disposição do juiz. Qual sua posição diante deste mecanismo que ainda gera diversas controvérsias?

Euler Jansen - Sem dúvida, o monitoramento eletrônico é uma grande aliado na luta contra o crime e, ainda, permite que o acusado não se submeta ao tratamento degradante das prisões onde a corrupção dos seus valores é mais forte do que, por exemplo, no ambiente familiar de origem. Também, essa opção também se apresenta menos custosa para o Estado, do ponto de vista financeiro, do que a manutenção mensal de um acusado encarcerado. No entanto, também não é uma panaceia, pois há casos onde o crime pode ser praticado com ela ou, até mesmo, no lar, a exemplo do tráfico de drogas.

04. Legendarium - O fato desta alteração legislativa criar alternativas para a prisão provisória provocou uma enorme repercussão nos últimos dias. Por que uma lei que restringe as medidas que limitam o bem jurídico da liberdade, são percebidas pela sociedade muito mais como um prejuízo do que um avanço?

Euler Jansen - A verdade é que temos ainda um sistema prisional de reinserção social. Sabemos que 80% dos seus egressos reincidem, sendo tal fato suficiente para provar que a culpa não é só do apenado. Para a sociedade, mais fácil do que a busca dessa solução, que passa por uma reestruturação não só das condições físicas dos presídios, mas da cultura carcerária, é simplesmente adotar a concepção dos presídios como depósitos de pessoas que ficaram à margem da sociedade, destinados a afastar essa "mancha" do tecido social. A mudança de concepções sempre é árdua, ainda mais quando envolve o reconhecimento de erros. Isso, infelizmente é natural no homem.

05. Legendarium - Por fim, agradecemos a honrosa participação que engradeceu sobremaneira o debate acerca desta importante lei, e gostaríamos  que o senhor comentasse um pouco sobre sua carreia de magistrado, nos falando desde de quando soube que havia a vocação para tal função e quais orientações dá para os jovens que almejam exercê-la também.

Euler Jansen - Desde logo vi que não tinha jeito para a advocacia, mais especificamente para a arte de captar clientes ou abraçar com veemência causa pelas quais eu não estivesse disposto a dar o meu sangue por ela, vi que não me adequaria a "ser parte". O advogado tem que manter uma certa distância disso, sob pena disso lhe ser muito extenuante emocionalmente. Por outro lado, alguns amigos viram em mim uma paciência de escutar contendores, de racionalizar argumentos, de conciliar e essas características, aliadas a uma timidez do púlpito, me fizeram, desde o meu segundo ano na Faculdade de Direito, optar pela magistratura, em detrimento da tradição familiar do Ministério Público.

Euler Jansen
www.twitter.com/eulerjansen
www.eulerjansen.blogspot.com
Currículo Lattes: http://tinyurl.com/ej-lattes


Entrevista feita por Rodrigo Ribeiro
@rodrigolgd 

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Legendarium Entrevista: George Salomão (Presidente da EBEC)


Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP. Doutorando em Ciências Jurídicas pela UCA/Buenos Aires. Presidente da Escola Brasileira de Estudos Constitucionais - EBEC. Autor de vários livros jurídicos. Conversamos na entrevista que segue sobre vários temas relativos ao direito constitucional, e a EBEC e seus próximos eventos que serão realizados.

 
01. Legendarium – Nós que fazemos parte do Legendarium, gostaríamos inicialmente de agradecer ao ilustre por esta entrevista e começar perguntando sobre a Escola Brasileira de Estudos Constitucionais - EBEC, como ela surgiu, qual a sua finalidade e quais são os projetos para o segundo semestre?

George Salomão - A ESCOLA BRASILEIRA DE ESTUDOS CONSTITUCIONAIS - EBEC, foi instituída em agosto de 2004, por iniciativa minha, cuja finalidade foi a de aprimorar o estudo do Direito Constitucional em nosso País. Desde então, a EBEC vem desenvolvendo uma série de atividades acadêmicas que permitem um constante diálogo por parte dos nossos operadores do direito acerca do que vem ocorrendo na seara jurídico-constitucional. Sediada em João Pessoa, Estado da Paraíba, a EBEC vem se notabilizando pela qualidade dos cursos e congressos promovidos, contando para tanto com o apoio de inúmeros juristas brasileiros, que se destacam pelo notável conhecimento jurídico. Para o segundo semestre, estamos realizando o I FÓRUM DE DEBATES JURÍDICOS (agosto/João Pessoa), I FÓRUM DE DIREITO PENAL DO INSTITUTO DELMANTO & EBEC (setembro/São Paulo) e o CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL (outubro/Fortaleza).


02. Legendarium - Nos dias 25, 26 e 27 de Agosto, estará acontecendo em João Pessoa o 1° FORUM DE DEBATES JURÍDICOS. Fale-nos um pouco mais acerca deste evento.

George Salomão - Este é um evento que busca abordar temas das diversas áreas do conhecimento jurídico, de maneira a propiciar ao participante uma visão ampla do panorama jurídico. Para tanto, contamos com a presença de notáveis estudiosos do direito, a exemplo de TÉRCIO SAMPAIO FERRAR JR, FERNANDO CAPEZ, CESAR ROBERTO BITENCOURT, CRISTIANO CHAVES DE FARIAS, FLÁVIO TARTUCE, EUGÊNIO PACCELI, LUIZ ALBERTO DAVID ARAÚJO dentre outros. A programação completa e demais informações podem ser obtidas em nosso site: www.congressosebec.com.br ou pelo telefone (83) 3247.5449. Até o dia 19 deste mês, quem trouxer um amigo o valor da inscrição sai a R$ 80,00 (oitenta reais). Vai ser um evento maravilhoso!


3. Legendarium - O termo eutanásia, do grego morte doce, morte calma, foi empregado pela primeira vez por Frank Bacon, no século XVII. Como podemos analisar e coadunar conflitos principiológicos em torno da possibilidade desta prática (Eutanásia) no Brasil?

George Salomão - O desenvolvimento tecnológico no âmbito da saúde aliado ao aumento da expectativa de vida das pessoas, suscitam uma nova discussão em torno da eutanásia. Esta há de ser compreendida como o ato deliberado de matar alguém que padece de uma enfermidade grave ou incurável, mediante consentimento. É um equívoco cometido pela maioria dos juristas equiparar a eutanásia ao homicídio ou suicídio assistido. São fatos completamente distintos que merecem tratamentos jurídicos igualmente diferentes. A eutanásia não é regulamentada no Brasil assim como em vários outros países. Daí que a resposta encontrada pelos operadores do direito ante tal problemática é aplicar o dispositivo legal relativo ao homicídio. O direito à vida, dignidade humana, liberdade, integridade psico-física e solidariedade são dispositivos constitucionais que legitimam a prática eutanásica.

04. Legendarium - Em 2000, você escreveu um artigo a respeito do método de interpretação constitucional tópico-problemático. Articule um pouco sobre este método, e nos fale se passados uma década, o problema citado, acerca do equívoco de se vislumbrar a norma como um topoi para sua aplicação, ainda persistem em nosso contexto jurídico.

George Salomão - A tópica é um dentre vários outros métodos concebidos pela hermenêutica jurídica. Sua ênfase é no caso concreto e busca sempre conceber uma solução juridicamente adequada. O caso concreto é que vai nortear todo o processo interpretativo, de modo que a partir da interpretação da situação fática o intérprete irá buscar no sistema normativo os topoi (pontos de partida) para desenvolver a argumentação jurídica. Rompe, desta maneira, com o método subsuntivo de aplicação do direito. No Brasil, o PROF. TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR é um grande apreciador da tópica jurídica, posto que THEODOR VIEHWEG, autor de Tópica e Jurisprudência, foi seu orientador no doutorado na Alemanha.

5. Legendarium - Para finalizarmos esta valorosa participação, pedimos que nos fale um pouco sobre sua área de atuação no direito, e o que o conduziu a seguir esta carreira? Pedimos também uma palavra para os jovens estudantes do direito, de como produzirem debates com temas controversos e assim engradecerem a cultura jurídica de nossa terra, nos mesmos moldes do 1° FORUM DE DEBATES JURÍDICOS, a ser realizado em João Pessoa.

George Salomão - Minha formação acadêmica é em direito constitucional. Fiz meu mestrado na PUC/SP e estou concluindo meu doutorado na PUC de Buenos Aires. Desde 2000 leciono esta matéria, algo bastante prazeroso. A relação dialética entre professor e aluno é muito construtiva, pois permite a cada qual aprender um com o outro. Acredito que uma pessoa se torna um excelente profissional na medida em que escolhe uma dada profissão por amor. Se não se faz o que gosta, a tendência é que será um péssimo profissional. Isto se aplica em todas as áreas, não apenas a jurídica.


George Salomão


Entrevista Feita por Wollney Ribeiro
@wollneyribeiro

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Legendarium Entrevista: Dr. Felix Araújo Neto


Felix Araújo Neto é advogado criminalista, doutor em direito penal e política criminal pela Universidade de Granada/Espanha (UGR), e professor da UEPB, FACISA e ASCES. Na entrevista que segue o eminente jurista nos fala, com base em sua vasta experiência forense aliada ao seu conhecimento acadêmico, sobre a lei 12.403/11, que traz alterações no processo penal:

01. Legendarium - Quais foram as principais alterações trazidas ao processo penal pela lei nº 12.403/11?

Dr. Felix Neto - Antes de tudo, gostaria de agradecer a oportunidade de participar desta entrevista, inaugurando o Blog Legendarium, que exterioriza a demonstração de interesse pela cultura jurídica e também revela compromisso com a difusão e debate dos grandes temas do Direito. Portanto, estão de parabéns os organizadores deste espaço de reflexão científica, que são os estudantes de Direito da UEPB.

Quanto à indagação formulada, devo dizer que compreendo as alterações, trazidas pela Lei 12.403/11, postas em duas perspectivas: a primeira, de natureza político criminal; a segunda, propriamente jurídico-processual.

No primeiro plano, a Lei 12.403/11 surge a partir da inspiração constitucional que conduz a necessidade de fixar limitas à imposição da prisão sem sentença condenatória transitada em julgado nos casos de delitos de pequena e mediana carga punitiva (delitos com penas máximas, em abstrato, iguais ou inferiores a quatro anos), ressalvadas as seguintes hipóteses: reincidência em crime doloso; e violência doméstica e familiar praticada contra mulher, criança, adolescente, enfermos ou portadores de necessidades especiais.

Ainda nessa primeira perspectiva, a nova lei revela a justa preocupação do legislador com a falência do sistema carcerário brasileiro, constatável a partir da superpopulação carcerária, das péssimas instalações físicas dos presídios, da lastimável e comprovada promiscuidade prisional e do contágio criminal, com o encarceramento, nos mesmos espaços tão degradados, os presos provisórios e os condenados.

No segundo plano, ao meu ver, a mais sensível alteração se deu em relação ao tratamento prático das medidas processuais, que restringem a liberdade humana. Surge, agora, um sistema de medidas cautelares substitutivas da prisão processual, oferecendo à jurisdição ampla possibilidade ter o indiciado ou o processado sob o controle do Estado, sem que, para isto, seja necessário utilizar a solução segregatória.

Convém ainda salientar que, no contexto dessas mudanças, o instituto da fiança foi revigorado e flexibilizado para atender o espírito da própria reforma processual que, de resto, se engasta no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Isto porque a sua aplicação está, por força da lei, escalonada segundo as possibilidades materiais do beneficiário: quem tem mais, paga mais; quem tem menos, paga menos. E o que for pago se constituirá em reserva para eventual cobertura indenizatória pelos danos causados.

A reforma, contudo, vai além. Muitos outros fatores estão consolidados no texto da lei. De um modo geral, penso que a Lei 12.403/11 impactou profundamente a temática jurídica da segregação cautelar.




02. Legendarium - Desde sua publicação, nota-se um intenso debate na esfera acadêmica, através das mais diversas publicações. Analisando essas mudanças e diante das visões que se contrapõe, na sua ótica como advogado, a lei representa um avanço ou um retrocesso?


Dr. Felix Neto - Numa primeira avaliação, considero que a Lei 12.403/11 reúne pontos que destaco como avanços evidentes. Talvez o mais expressivo consista no bloqueio à banalização da decretação da prisão preventiva, fenômeno observado pela advocacia militante e constatado por dados oficiais. Basta verificar que segundo os dados registrados, em dezembro de 2010, no Sistema Integrado de Informações Penitenciárias, a população carcerária brasileira alcançou a cifra 496.251 presos, representando 259,17 encarcerados por cada 100.000 habitantes. E é no mínimo estarrecedor ver que, deste número, 164.683 são presos provisórios.

03. Legendarium - Como explicar o fato desta norma ter causada polêmica na mídia e em alguns setores da sociedade?

Dr. Felix Neto - Alguns setores da mídia influenciam a sociedade, sempre amargurada com a insegurança, a crer que cadeia é a solução para a paz social. Isto é falso. Tão falso quanto acreditar que o endurecimento das penas e o rigor das prisões cautelares possam construir a paz social. Na verdade, tudo decorre do sentimento geral em relação à impunidade dominante que é outra questão. O espírito desta lei não é o de contemporizar com a marginalidade, mas evitar a multiplicação das mazelas causadas pelo uso desnecessário e estigmatizador das prisões preventivas.


Os retrocessos, creio, não serão propriamente da lei, mas podem resultar da sua defeituosa aplicação. Só com o tempo se poderá ter a exata dimensão desta circunstância.

04. Legendarium - Como um advogado deve encarar essas mudanças que rotineiramente acontecem na legislação e que alteram em muito a sua rotina de trabalho?

Dr. Felix Neto - Com a mesma compenetração e prudência que devem cercar os demais operadores do direito. Delegados de polícia, promotores de justiça, advogados e juízes devem caminhar na vereda cujas margens são, de um lado, a lei, de outro, a realidade social em constante modificação e evolução. Todos, porém, com os olhos voltados para o valor supremo da dignidade humana.

05. Legendarium - Por fim, gostaríamos de agradecer sua brilhante participação, e pedir que nos fale um pouco sobre a área do direito em que atua, e o que fez esse escolher este caminho profissional, além de falar também sobre o modo que consegue conciliar advocacia com a intensa vida acadêmica.

Dr. Felix Neto - Sou eu quem agradece a oportunidade de trocarmos impressões sobre uma matéria de tamanha importância para a sociedade brasileira. Ainda teríamos muito a discutir, particularmente, sobre um tema que, ao meu entender, é um dos mais importantes e úteis à dimensão das garantias individuais: o monitoramento eletrônico. Fica para uma próxima oportunidade.

Respondendo a sua última indagação, devo dizer que o Direito, para mim, foi a escolha refletida desde os tempos colegiais. A advocacia me veio pelo fascínio que exerce a arte de defender direitos. Neste aspecto, não há qualquer incompatibilidade com a atividade acadêmica e científica que constituem a base da minha atividade intelectual. São duas vertentes que se completam. Uma serve à outra; ambas servem à sociedade.


Dr. Felix Araújo Neto
@felix_neto


Entrevista feita por Rodrigo Ribeiro
@rodrigolgd
 
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