segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Legendarium entrevista: Andrei Lapa de Barros Correia, Procurador Federal.


Andrei Lapa de Barros Correia, é Procurador Federal, Cronista e Editor do Blog A Poção de Panoramix: http://www.apocaodepanoramix.com/ . Nasceu em 1974; estudou no Colégio Nóbrega, em Recife; formou-se, na UFPE, em 1999; foi advogado em Recife; foi chefe de gabinete de um deputado estadual; foi técnico judiciário do TRF da 5ª Região; ingressou na AGU, em 2002.



01. Legalmente, compete à Procuradoria-Geral Federal a representação judicial e extrajudicial das autarquias e fundações públicas federais (Art. 10, Lei 10.480/2002). Dentre as entidades representadas encontramos, por exemplo, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA). Qual a importância destas entidades e quais os principais problemas enfrentados pela Procuradoria na defesa desta fundação e daquela autarquia?


Essas entidades autárquicas federais, o FNDE e a FUNASA, cuidam basicamente, do financiamento de programas específicos nas suas áreas. Precisamente por conta da especificidade, achou-se conveniente a criação das pessoas jurídicas diversas dos ministérios a que se vinculam sob a perspectiva da supervisão.

As autarquias executam ações diretamente, mas, mais notadamente, desenvolvem planos de ações a serem executados por Estados federados e Municípios. Esse é o mecanismo das transferências voluntárias, feitas no âmbito de convênios.

As ações para que há possibilidade de transferências voluntárias envolvem, no âmbito da FUNASA, basicamente o saneamento básico e outras relacionadas à atuação preventiva de doenças relacionadas diretamente às precariedades higiênicas observadas neste país.

No âmbito do FNDE, envolvem programas de apoio e desenvolvimento dos ensinos básico, médio e fundamental, prestados pelos Estados e Municípios. Assim, há possibilidade de transferências para capacitação de docentes, para melhora e criação de estruturas físicas, para custeio de merenda escolar, para transporte de estudantes etc.

A Procuradoria Geral Federal, por seus órgão de execução, encontra dificuldades para a defesa judicial e extrajudicial destas autarquias decorrentes, essencialmente, da amplitude de seus campos de atuação. Ou seja, a quantidade de informações técnicas, o número imenso de convênios celebrados, são dificuldades cotidianas.


02. Passam pela Procuradoria algumas dezenas, talvez centenas, de Ações Civis Públicas manejadas pelo Ministério Público Federal. Em todas elas a Fundação ou a Autarquia funciona como litisconsorte (§2º do art. 5º, Lei 7.347/1985).  Por que isso acontece? E por que estas próprias entidades não propõe a ação se são legitimadas para tal (Art. 5º, inciso IV, Lei 7.347/1985)?


As transferências voluntárias de recursos públicos da FUNASA e do FNDE para os Municípios, no âmbito dos convênios com objetivos pré-definidos, são fiscalizadas posteriormente. Trata-se da realização de Tomadas de Contas, em que se afere a execução do objeto dos convênios.

Nos casos em que se verificam irregularidades, que vão da errônea prestação de contas – ou a total ausência dela – até a inexecução total do objeto dos convênios, as Tomadas de Contas apuram o valor do dano ao erário. Nas hipóteses em que este dano supera os R$ 30.000,00, o processo enseja a abertura de Tomada de Contas Especial, no Tribunal de Contas da União.

A rigor, as autarquias não ingressam em todas as ações civis públicas de improbidade administrativa ajuizadas pelo Ministério Público Federal, na condição de litisconsorte ativo. Tal ingresso está condicionado a manifestação do dirigente máximo das autarquias e depende da aferição da ocorrência do dano. A título de exemplo, meras incongruências formais na prestação de contas pelo gestor municipal ensejam o interesse das autarquias no ingresso na condição de assistente simples.

Muitas vezes, as ACPIAs são ajuizadas pelo MPF e as entidades são instadas a se pronunciarem sobre seu interesse no ingresso no polo ativo das ações. O caso é que as pretensões à reparação do dano e à aplicação das sanções de cunho político e administrativo da lei nº 8.429/92 podem estar descasadas, em certo momento.

Quer isso dizer que o MPF pode reputar suficientes os indícios de improbidade administrativa, enquanto as entidades ou o TCU ainda não finalizaram os processos de Tomada de Contas, que fazem surgir seus créditos relativos à reparação dos dinheiros mal aplicados.
Assim, a pretensão à reparação do dano às autarquias pode e costuma ser exercida por meio da execução fiscal do título extrajudicial que é o acórdão do TCU que imputa débito ao gestor faltoso. 

Por tal razão, as ações de improbidade administrativa costumam ser ajuizadas pelo MPF, com o posterior ingresso das autarquias no polo ativo.


03. A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000) contempla em seu Capítulo V, Arts. 25 e seguintes, as chamadas “transferências voluntárias”. Qual o principal problema neste tipo de transferência e como se dá o controle dos valores transferidos?

O problema das transferências voluntárias de recursos para Municípios, notadamente por meio de convênios celebrados com a FUNASA e com o FNDE, é sua enorme ineficácia, se considerarmos a relação entre dinheiros gastos e objetivos atingidos.

A fiscalização dá-se a posteriori, ou seja, depois de esgotado o prazo de execução conveniado. Suponhamos, por exemplo, um convênio em que se transferem recursos da FUNASA para um Município construir cinquenta (50) casas, todas com saneamento básico, conforme um plano e especificações pré-definidas, em um ano.

Findo este prazo, uma equipe técnica da FUNASA, muitas vezes com suporte de especialistas da Caixa Econômica Federal, vai ao Município verificar a execução das obras. Caso verifique-se inexecução ou execução parcial, ou irregularidades no processo licitatório, por exemplo, inicia-se o processo tendente a apurar e constituir o crédito relativo à reposição do dano ao erário.

Concluído este processo, a entidade buscará seu ressarcimento, seja por meio de execução fiscal,  seja no bojo de uma ação de improbidade administrativa. Todavia, nesta altura, dificilmente será possível encontrar patrimônio do gestor municipal responsável pelo dano, o que redundará em virtual inutilidade, tanto do controle, quanto das ações judiciais.



04. Politicamente, qual a finalidade das transferências voluntárias? Por que a União – já que estamos tratando das transferências por ela efetivadas – não executa por si as obras e/ou serviços em vez de repassar valores aos Estados e Municípios? Com base no princípio constitucional da eficiência (Art. 37, CRFB), mesmo sob o manto da Lei de Responsabilidade Fiscal, deve permanecer em nosso ordenamento jurídico esta modalidade de transferência?


Sob uma perspectiva ideal, as transferências voluntárias baseiam-se na descentralização que, por sua vez, encontraria razões na maior capacidade do gestor local de saber as soluções que os problemas demandam. É a questão das peculiaridades locais, algo que tornou-se em mantra ou verdadeiro argumento-fetiche do municipalismo brasileiro inaugurado na Constituição de 1988.

Na ocasião, havia muito interesse em romper, até simbolicamente, com o centralismo praticado no regime ditatorial de 1964 a 1985. Esse rompimento implicou uma substancial mudança no sistema político, inclusive a consagração do Município como ente federado, o que é de uma estranheza notável.

Se, por um lado, é óbvio que os gestores locais têm mais possibilidades de conhecerem detalhadamente os problemas peculiares aos seus rincões, também é certo que tais peculiaridades não são assim tão obscuras a ponto de serem incognoscíveis por quaisquer entes da União.
O argumento, levado ao limite, implicaria que aceitássemos o absurdo de tantas realidades estanques quantos são os Municípios do país. Além disso, há uma incompatibilidade lógica do argumento com a sistemática das transferências voluntárias.
Ora, as transferências voluntárias ocorrem no âmbito de convênios com objetivos rigorosamente pré-definidos, ou seja, não se cuida propriamente de transferir recursos que se integrem às receitas correntes líquidas dos Municípios. Não há margem discricionária para a aplicação desses dinheiros, circunstância a revelar que as necessidades a serem supridas estão previamente identificadas pela entidade federal que repassa as verbas.

O que se observa, para alguns programas e finalidades, é que as transferências voluntárias apenas inserem um elo intermediário na prestação de um serviço ou execução de uma obra, que bem poderia ser executada ou prestada diretamente pela União.

No âmbito da educação, verifica-se que tem sido possível a União prestar o serviço diretamente, por meio dos IFs e de outras escolas de ensino básico, médio, fundamental e técnico. Na verdade, verifica-se que algumas das transferências consistem apenas na inserção de um intermediário que, na enorme maioria dos casos, representa apenas um acréscimo de custo e uma pulverização a implicar dificuldades de fiscalização.

No que tange aos programas de saneamento básico, aqueles que compõem maior parte das transferências voluntárias da FUNASA para municípios, observa-se que a intermediação podia ser suprimida. Com efeito, não haveria dificuldades maiores para a autarquia licitar e contratar as obras diretamente.
Enfim, a opção política pelo mecanismo das transferências voluntárias baseou-se na lógica da descentralização. Esse discurso buscou justificação na superação da centralização do período ditatorial e na possibilidade dos Municípios identificarem mais precisamente seus problemas peculiares.

A Municipalização da execução de parte das ações, obras e serviços públicos em saúde e educação deu-se com recursos da União, a pagadora de tudo. Ao mesmo tempo em que paga, a União escolhe os objetivos a serem atingidos com os programas que ensejam transferências voluntárias. Resulta disso uma pergunta óbvia: se paga e escolhe o que deve ser feito, por que a União não os executa diretamente?
Deixo a pergunta aparentemente sem resposta.


05. Por fim, agradecemos a participação do senhor Procurador Federal Dr. Andrei Lapa de Barros Correia como entrevistado do nosso blog jurídico. E gostaríamos de saber o porquê um jovem estudante das Ciências Jurídicas deve escolher a carreira de Advogado Público para atuar.

Agradeço eu ao Blog Legendarium o convite para essa conversa; convite gentil, que me foi feito pelo Gustavo. 

Se um jovem acadêmico deve visar à carreira de advogado público, creio que deve faze-lo por qualquer idealismo. O mesmo que o guiaria para a advocacia privada, para a defensoria pública, para o magistério, ou para as magistraturas do ministério público e da judicatura. E, creio, certo de ser crença impopular, que deveria fazer uma coisa e só ela, profissionalmente.

Se idealismo parece algo anacrônico ou parco de significação, explico-me: é aquilo que conduz o sujeito a fazer alguma coisa na medida das suas potencialidades; que o leve a, pelo menos, não mentir para si e a não negar a diferença entre potencialidade e oportunismo.

O jovem acadêmico de ciências jurídicas deveria repudiar o oportunismo, ou seja, repudiar a coisa que mais se insinua para ele. Porque se ele não o fizer propositada e voluntariamente, o mundo o fará, não repudiar, mas amargar a decepção. 

Os tempos turbulentos, os tempos de estagnação econômica, de transição, são muito propícios à consagração do jurídico como empulhocrático. Mas, o tempo em que tudo se confunde e nada se percebe vai ficando para trás.

O jurista será demandado sobre o que faz e porque custa seu preço. Ele não será perguntado, evidentemente, por que não ressuscita alguém, mas provavelmente terá que responder àqueles que se lembram dele ter feito promessas desse tipo.

Claro que o acadêmico de direito vai buscar boas remunerações e as poderá obter. O que ele poderá evitar é viver o vale-tudo do oportunismo. Assim, evitará dar o mau exemplo e evitará dar o argumento para o desprestígio absoluto do trabalho com o direito.

É um sacerdócio, enfim. Não com significado religioso ou de auto-propaganda de alguma renúncia aparente. É um sacerdócio como qualquer outro, um trabalho que deve ser feito na medida das possibilidades, que não vai mudar o mundo, senão conserva-lo.

Andrei Lapa de Barros Correia


Entrevista feita por Gustavo Farias

3 comentários:

  1. Eu gosto de polêmica, então lá vai, em relação à 4ª pergunta: em minha opinião, o repasse voluntário para municípios e estados visa à formação de "base política". Para a população o Prefeito ou Governador tem acesso fácil à Brasília quando angaria recursos junto ao Governo Federal! Legendas partidárias e figuras políticas locais se fortalecem com isso. A União executar por si obras e serviços só fortalece a figra da própria União (Governo Federal). Politicamente, as tranferências voluntárias são fundamentais para uma capilaridade, não dos investimentos, mas, sim, da própria presença do Estado, através destas figuras locais tão necessárias para o ideário popular.

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  2. Essa percepção tua, Gustavo, é bastante precisa. As transferências voluntárias surtem o efeito de geradoras de um certo fluxo de caixa, coisa fundamental para a manutenção de bases políticas.

    Todavia, se elas não acontecessem na intensidade atual - admitindo-se que elas podem ser úteis, se usadas com parcimônia e especificidade - o sistema de manutenção de base política seria outro.

    Acho, e posso precipitar-me quanto a isso, que esse modelo regridirá aos poucos. É tempo de gastar melhor e, principalmente, oferecer serviços melhores e mais efetivos à população. Ela demandará cada vez mais.

    Não tenho quaisquer resistências apriorísticas ao chamado centralismo. Afinal, mais e menos disfarçadamente, ele sempre funcionou no país e é muito mais autêntico historicamente que o arremedo municipalista que se tentou estabelecer.

    A supressão parcial do prefeito municipal como elo de intermediação implicaria o aumento do campo de atuação do parlamento, o que é desejável.

    E as pressões - reais ou apenas espetaculosas - contra as corrupções e desvios imporão um certo fechamento das torneiras das transferências voluntárias, que são um sumidouro de dinheiros públicos.

    A pergunta, como te disse na entrevista é sempre aquela: se você tem dinheiro para pagar um serviço ou uma obra, por que você não na executa ou presta diretamente?

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  3. Não tenho mais nada a acrescentar, tudo o que eu poderia indagar já foi exposto pelo senhor na resposta e aqui no comentário.

    Só quero dizer que também concordo que o centralismo existente é a "cara do Brasil". Como diria Genésio, este país e este povo são carentes de um "macho-alfa"!

    Que isso não soe como totalitarismo ou autoritarismo. Creio que isso passou longe dos governos FHC e Lula, apesar dos pesares.

    Fortalecer partidos políticos e o parlamento é a saída. Como? Ainda não se sabe (ou não se sabe como implantar).

    Esse fortalecimento trará legitimidade e acabará /reduzirá com a figura dos Prefeitos/Governadores de pires nas mãos.

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