segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Legendarium Entrevista: Dr. Felix Araújo Neto


Felix Araújo Neto é advogado criminalista, doutor em direito penal e política criminal pela Universidade de Granada/Espanha (UGR), e professor da UEPB, FACISA e ASCES. Na entrevista que segue o eminente jurista nos fala, com base em sua vasta experiência forense aliada ao seu conhecimento acadêmico, sobre a lei 12.403/11, que traz alterações no processo penal:

01. Legendarium - Quais foram as principais alterações trazidas ao processo penal pela lei nº 12.403/11?

Dr. Felix Neto - Antes de tudo, gostaria de agradecer a oportunidade de participar desta entrevista, inaugurando o Blog Legendarium, que exterioriza a demonstração de interesse pela cultura jurídica e também revela compromisso com a difusão e debate dos grandes temas do Direito. Portanto, estão de parabéns os organizadores deste espaço de reflexão científica, que são os estudantes de Direito da UEPB.

Quanto à indagação formulada, devo dizer que compreendo as alterações, trazidas pela Lei 12.403/11, postas em duas perspectivas: a primeira, de natureza político criminal; a segunda, propriamente jurídico-processual.

No primeiro plano, a Lei 12.403/11 surge a partir da inspiração constitucional que conduz a necessidade de fixar limitas à imposição da prisão sem sentença condenatória transitada em julgado nos casos de delitos de pequena e mediana carga punitiva (delitos com penas máximas, em abstrato, iguais ou inferiores a quatro anos), ressalvadas as seguintes hipóteses: reincidência em crime doloso; e violência doméstica e familiar praticada contra mulher, criança, adolescente, enfermos ou portadores de necessidades especiais.

Ainda nessa primeira perspectiva, a nova lei revela a justa preocupação do legislador com a falência do sistema carcerário brasileiro, constatável a partir da superpopulação carcerária, das péssimas instalações físicas dos presídios, da lastimável e comprovada promiscuidade prisional e do contágio criminal, com o encarceramento, nos mesmos espaços tão degradados, os presos provisórios e os condenados.

No segundo plano, ao meu ver, a mais sensível alteração se deu em relação ao tratamento prático das medidas processuais, que restringem a liberdade humana. Surge, agora, um sistema de medidas cautelares substitutivas da prisão processual, oferecendo à jurisdição ampla possibilidade ter o indiciado ou o processado sob o controle do Estado, sem que, para isto, seja necessário utilizar a solução segregatória.

Convém ainda salientar que, no contexto dessas mudanças, o instituto da fiança foi revigorado e flexibilizado para atender o espírito da própria reforma processual que, de resto, se engasta no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Isto porque a sua aplicação está, por força da lei, escalonada segundo as possibilidades materiais do beneficiário: quem tem mais, paga mais; quem tem menos, paga menos. E o que for pago se constituirá em reserva para eventual cobertura indenizatória pelos danos causados.

A reforma, contudo, vai além. Muitos outros fatores estão consolidados no texto da lei. De um modo geral, penso que a Lei 12.403/11 impactou profundamente a temática jurídica da segregação cautelar.




02. Legendarium - Desde sua publicação, nota-se um intenso debate na esfera acadêmica, através das mais diversas publicações. Analisando essas mudanças e diante das visões que se contrapõe, na sua ótica como advogado, a lei representa um avanço ou um retrocesso?


Dr. Felix Neto - Numa primeira avaliação, considero que a Lei 12.403/11 reúne pontos que destaco como avanços evidentes. Talvez o mais expressivo consista no bloqueio à banalização da decretação da prisão preventiva, fenômeno observado pela advocacia militante e constatado por dados oficiais. Basta verificar que segundo os dados registrados, em dezembro de 2010, no Sistema Integrado de Informações Penitenciárias, a população carcerária brasileira alcançou a cifra 496.251 presos, representando 259,17 encarcerados por cada 100.000 habitantes. E é no mínimo estarrecedor ver que, deste número, 164.683 são presos provisórios.

03. Legendarium - Como explicar o fato desta norma ter causada polêmica na mídia e em alguns setores da sociedade?

Dr. Felix Neto - Alguns setores da mídia influenciam a sociedade, sempre amargurada com a insegurança, a crer que cadeia é a solução para a paz social. Isto é falso. Tão falso quanto acreditar que o endurecimento das penas e o rigor das prisões cautelares possam construir a paz social. Na verdade, tudo decorre do sentimento geral em relação à impunidade dominante que é outra questão. O espírito desta lei não é o de contemporizar com a marginalidade, mas evitar a multiplicação das mazelas causadas pelo uso desnecessário e estigmatizador das prisões preventivas.


Os retrocessos, creio, não serão propriamente da lei, mas podem resultar da sua defeituosa aplicação. Só com o tempo se poderá ter a exata dimensão desta circunstância.

04. Legendarium - Como um advogado deve encarar essas mudanças que rotineiramente acontecem na legislação e que alteram em muito a sua rotina de trabalho?

Dr. Felix Neto - Com a mesma compenetração e prudência que devem cercar os demais operadores do direito. Delegados de polícia, promotores de justiça, advogados e juízes devem caminhar na vereda cujas margens são, de um lado, a lei, de outro, a realidade social em constante modificação e evolução. Todos, porém, com os olhos voltados para o valor supremo da dignidade humana.

05. Legendarium - Por fim, gostaríamos de agradecer sua brilhante participação, e pedir que nos fale um pouco sobre a área do direito em que atua, e o que fez esse escolher este caminho profissional, além de falar também sobre o modo que consegue conciliar advocacia com a intensa vida acadêmica.

Dr. Felix Neto - Sou eu quem agradece a oportunidade de trocarmos impressões sobre uma matéria de tamanha importância para a sociedade brasileira. Ainda teríamos muito a discutir, particularmente, sobre um tema que, ao meu entender, é um dos mais importantes e úteis à dimensão das garantias individuais: o monitoramento eletrônico. Fica para uma próxima oportunidade.

Respondendo a sua última indagação, devo dizer que o Direito, para mim, foi a escolha refletida desde os tempos colegiais. A advocacia me veio pelo fascínio que exerce a arte de defender direitos. Neste aspecto, não há qualquer incompatibilidade com a atividade acadêmica e científica que constituem a base da minha atividade intelectual. São duas vertentes que se completam. Uma serve à outra; ambas servem à sociedade.


Dr. Felix Araújo Neto
@felix_neto


Entrevista feita por Rodrigo Ribeiro
@rodrigolgd

5 comentários:

  1. O blog está de parabéns, seu sucesso já é previamente reconhecido por uma participação tão ilustre. Dr. Félix Neto é sem dúvida um ícone quando se fala em Direito Penal! Parabéns pela maneira clara e lúcida como tratou um assunto tão novo.

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  2. Certamente as ponderações tecidas pelo eminente Prof Felix Neto, oportunizam um compreensão adequada e coerente, ao mesmo tempo em que esclarecem àqueles que, sob a influência sensacionalista da mídia, não conseguem vislumbrar a mens legis que as inovações legislativas implicam.
    Nesse sentido me congratulo com blog pela iniciativa ao tempo em que desejo que este espaço possa possibilitar uma constante reflexão do direito. Felicito também o ilustre professor Felix Neto, pelas claras e precisas palavras.

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  3. Excelente entrevista.
    Gostaria de parabenizar os idealizadores do blog, e em especial meu querido amigo e colega de turma, Rodrigo Barros.
    Mais um fórum de discussão de temas atuais e relevantes no mundo jurídico!
    Parabéns!

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  4. Ótima entrevista com o prof. Felix Neto, assim como mathews augusto,acima falou, gostaria de parabenizar os idealizadores desta ideia,que contribui para o nosso avanço no mundo jurídico

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  5. Agradecemos aos cometários que só ratificam o quanto nossa terra está apta para ampliarmos os debates no ambiente virtual acerca do direito. Continuem acessando e contribuindo para a construção deste espaço para o debate jurídico saudável e salutar!

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