segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Legendarium Entrevista: Euler Jansen, Juiz de Direito


Euler Jansen é Juiz de Direito da 3ª Vara Mista da Comarca de Bayeux, professor da ESMA-PB, FESMIP-PB, especialista em Direito Processual Civil (PUC-RS) e Gestão Jurisdicional (UNIPÊ) e autor do livro "Manual de Sentença Criminal", 2a ed., Renovar, Rio de Janeiro, 1999. Conversamos como ele nesta entrevista sobre a lei 12.403/11 sob a ótica do magistrado.

01. Legendarium  - No inicio do mês entrevistamos o Doutor Felix Araujo Neto acerca da lei 12.403/11 que altera o processo penal em pontos vitais e assim tivemos o panorama desta norma na visão de um advogado. Qual sua concepção sobre esta lei do ponto de vista do magistrado?

Euler Janser - De forma estranha, a minha concepção sobre a Lei nº 12.403, não coincide com a da maioria dos magistrados com quem tenho conversado sobre o assunto. A lei está muito mistificada pelo imaginário popular e pelas más informações prestadas por boa parte da mídia sobre ela. Essa pressão dos meios de comunicação e social, talvez por eu ter lido e ponderado sobre a lei, ao menos "en passant", no dia de sua publicação, não me atingiu.

A minha concepção sobre ela é que ela apenas positivou algumas boas práticas e conceitos modernos do processo penal e de política criminal. E daí que não se pode decretar a prisão preventiva nos crimes dotados de pena inferior a quatro anos? O próprio Código Penal já permite há mais de vinte anos a substituição da pena privativa de liberdade aplicada até essa quantidade por restritiva de direitos? Será que a sociedade ganha alguma coisa por deixar um agente de um furto preso, a não ser, através de outros presos de maior periculosidade, ensiná-lo onde pode encontrar armas e fazer com que "evolua" para a prática de roubos?

Sim, nós juízes teremos mais trabalho, teremos que melhor fundamentar nossas decisões de decreto de prisão preventiva, termos que, antes de decretá-las, aplicar outras medidas cautelares, mas isso já fazia parte do "jogo", pois nada mais é do que dotar a liberdade individual da prioridade que lhe é constitucionalmente assegurada nos Estados que se dizem democráticos de direito, excepcionalizando a prisão, em especial a processual, anterior ao trânsito em julgado da sentença.

Antes da lei, a maioria dos juízes já estava um tanto quanto confusa com as mudanças nos requisitos jurisprudenciais da prisão preventiva que estavam, e ainda estão, sendo delineadas pelo STJ e STF. Acompanhar essas velozes e profundas mudanças quando se tem a responsabilidade de prolatar decisões que ponderam entre a liberdade individual e a segurança social é extremamente difícil, ainda mais quando a sociedade está impregnada de más concepções sobre o mister judicial, caraterizado por frases do tipo "a polícia prende os bandidos e o juiz solta".

02. Legendarium - Toda norma é resultado dos fatores que influenciam os legisladores no momento histórico de sua concepção. Quais as causas que o senhor identifica em nosso contexto atual que tiveram influência nesta norma, que altera aspectos tão significativos das prisões processuais?

Euller Jansen - Sem dúvida, foi o aumento da criminalidade, em especial, a organizada, capitaneada pelo tráfico de drogas. Também, a noção de que temos que cuidar dessa macrocriminalidade, priorizá-la, em detrimento de outros crime chamados de médio potencial ofensivo.



03. Legendarium  - A nova lei coloca a o monitoramento eletrônico como uma medida cautelar a disposição do juiz. Qual sua posição diante deste mecanismo que ainda gera diversas controvérsias?

Euler Jansen - Sem dúvida, o monitoramento eletrônico é uma grande aliado na luta contra o crime e, ainda, permite que o acusado não se submeta ao tratamento degradante das prisões onde a corrupção dos seus valores é mais forte do que, por exemplo, no ambiente familiar de origem. Também, essa opção também se apresenta menos custosa para o Estado, do ponto de vista financeiro, do que a manutenção mensal de um acusado encarcerado. No entanto, também não é uma panaceia, pois há casos onde o crime pode ser praticado com ela ou, até mesmo, no lar, a exemplo do tráfico de drogas.

04. Legendarium - O fato desta alteração legislativa criar alternativas para a prisão provisória provocou uma enorme repercussão nos últimos dias. Por que uma lei que restringe as medidas que limitam o bem jurídico da liberdade, são percebidas pela sociedade muito mais como um prejuízo do que um avanço?

Euler Jansen - A verdade é que temos ainda um sistema prisional de reinserção social. Sabemos que 80% dos seus egressos reincidem, sendo tal fato suficiente para provar que a culpa não é só do apenado. Para a sociedade, mais fácil do que a busca dessa solução, que passa por uma reestruturação não só das condições físicas dos presídios, mas da cultura carcerária, é simplesmente adotar a concepção dos presídios como depósitos de pessoas que ficaram à margem da sociedade, destinados a afastar essa "mancha" do tecido social. A mudança de concepções sempre é árdua, ainda mais quando envolve o reconhecimento de erros. Isso, infelizmente é natural no homem.

05. Legendarium - Por fim, agradecemos a honrosa participação que engradeceu sobremaneira o debate acerca desta importante lei, e gostaríamos  que o senhor comentasse um pouco sobre sua carreia de magistrado, nos falando desde de quando soube que havia a vocação para tal função e quais orientações dá para os jovens que almejam exercê-la também.

Euler Jansen - Desde logo vi que não tinha jeito para a advocacia, mais especificamente para a arte de captar clientes ou abraçar com veemência causa pelas quais eu não estivesse disposto a dar o meu sangue por ela, vi que não me adequaria a "ser parte". O advogado tem que manter uma certa distância disso, sob pena disso lhe ser muito extenuante emocionalmente. Por outro lado, alguns amigos viram em mim uma paciência de escutar contendores, de racionalizar argumentos, de conciliar e essas características, aliadas a uma timidez do púlpito, me fizeram, desde o meu segundo ano na Faculdade de Direito, optar pela magistratura, em detrimento da tradição familiar do Ministério Público.

Euler Jansen
www.twitter.com/eulerjansen
www.eulerjansen.blogspot.com
Currículo Lattes: http://tinyurl.com/ej-lattes


Entrevista feita por Rodrigo Ribeiro
@rodrigolgd 

2 comentários:

  1. A entrevista é muito agradável de se ler,por ser sucinta e direta,no entanto,particularmente,esperava uma postura diferente do magistrado.

    fica a diga aos idealizadores deste excelente blog, de buscar um magistrado que discorde desta nova lei,pois os argumentos contrários,fazem parte do nosso mundo jurídico, pautado sempre no contraditório.

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  2. O contraditório é sempre enriquecedor ao debate, e o desafio está aceito estimado Ildefonso. Caso saiba de algum magistrado, ou outro aplicador do direito que pense de modo diverso, nos indique que iremos imediatamente procurá-lo. Agradecemos os comentários e os incetivos, e contamos com sua participação para engradecer cada vez mais as discussões deste abraço.

    Forte abraço!

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