segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Legendarium entrevista: Cláudio Lucena




Cláudio Lucena é professor do Departamento de Direito Privado da Universidade Estadual da Paraíba. É também professor em diversos cursos de especialização, e da Escola Superior de Advocacia da OAB. Coordena linhas de privado no Grupo de pesquisa em Direito, Tecnologia e Sociedade do Centro de Ciências Jurídicas da UEPB. É membro do IBDE, Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico, e colaborador do Jornal da Paraíba, onde escreve coluna jurídica semanal. Advogado com experiência em responsabilidade civil, contratos, tutela jurídica da atividade jornalística, propriedade intelectual e direito de tecnologia da informação. Especialista em Direito Civil e Empresarial pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (2003) e em Ciência da Computação pela Universidade Federal da Paraíba (2001). Foi também analista de suporte e administrador de sistemas. trabalhou com ensino de línguas e tradução de texto. com comunicação, apresentação e redação em rádio e TV, como produtor de áudio e como músico profissional.

Na entrevista que segue o eminente jurista nos fala, com base em sua vasta experiência acerca da relação entre o Direito e as Novas Tecnologias.



01. Legendarium  - O crescimento das diversas relações sociais na internet, bem como a massificação deste meio, há algum tempo, vêm causando um forte impacto na ciência jurídica, ocasionando o surgimento de diversas lacunas. Com isso, observa-se a consolidação do chamado Direito Eletrônico ou informático, digital etc. Fale-nos um pouco desta área do Direito.

Cláudio Lucena - Hoje há um debate sobre a existência ou não de um ramo autônomo da ciência que trata desta conversa entre direito e tecnologia, e até mesmo sobre como esse ramo deveria ser chamado. Eu penso que este debate tem seu valor em termos de precisão científica, mas a verdade é que ele perde importância diante do fato – e esse é incontestável – de que o impacto das tecnologias de informação e comunicação no comportamento humano é um fenômeno dos mais interessantes que a nossa geração acompanha. É isso o que importa. Essa é a constatação e a premissa que deve conduzir a construção de modelos normativos para este cenário. Como este comportamento humano quase sempre gera efeitos jurídicos, é natural que o Direito procure inserir-se nessa discussão. Se essa inserção é através de um ramo autônomo ou não, no momento, isso parece ser secundário. O fundamental agora é que não se deixe este admirável mundo novo da tecnologia abrir muita distância em relação às ferramentas jurídicas que devem regular as vidas das pessoas. 

O direito historicamente avança muito lentamente. Se essa distância ficar muito grande, há um risco do direito como nós o conhecemos, perder o bonde da evolução humana, e perder, por consequência, a sua função de controlar a vida em sociedade, pra ser substituído, evidentemente, por algum outro mecanismo. Muitos já perceberam a importância de analisar, sob o ponto de vista jurídico, as transformações que as tecnologias vem introduzindo nas relação sociais, e sob este aspecto, está consolidado o estudo científico das relações entre Direito e Tecnologia. Se um ramo autônomo chamado Direito Eletrônico, Direito Digital ou outra denominação está consolidado, eu diria que não, porque enxergo que estas relações se dão em microssistemas jurídicos já existentes, como o processo civil, o direito civil, o direito do trabalho, penal, tributário, autoral, enfim, cenários que o direito já conhecia e disciplinava, mas que a tecnologia alterou e continua alterando profundamente.

02. Legendarium  - O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, disse nesta terça-feira (23/08/2011), ao participar de audiência pública na Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicação da Câmara dos Deputados, que o texto que trata do marco civil da internet está pronto. Explique-nos este projeto, elencando seus objetivos.


Cláudio Lucena - O Marco Civil foi enviado à Câmara como Projeto de Lei na última quinta-feira e trata, num resumo bem breve, da disciplina jurídica civil do uso da Internet no território brasileiro. 

A pretensão é disciplinar o uso da rede, o registro de conexões e acessos, estabelecer conceitos técnicos, funções e prerrogativas do poder público, garantias do cidadão e esclarecer a atribuição de responsabilidade por danos. Os objetivos declarados são os de balizar a contratação privada eletrônica, nortear o exercício da liberdade de expressão, assegurar harmonia na interpretação judicial destas questões no país, para que boas políticas públicas possam ser conduzidas e a democracia possa se desenvolver neste cenário. Há um objetivo no texto que, apesar de não declarado, é evidente, que é suprir a lacuna existente na legislação brasileira positivada a respeito da forma e da obtenção de provas e evidências de atos praticados em meios eletrônicos, que afinal de contas, acaba sendo a verdadeira discussão e o grande debate em torno deste agora Projeto de Lei: a extensão da garantia de reparação de danos a direitos individuais que sistemas jurídicos como o brasileiro atingiram em um ambiente físico, convencional só é possível em meios eletrônicos se optarmos por arriscar outras garantias como a liberdade de expressão e a privacidade. Não há mágica nesta equação social. Não há mais como manter estas garantias no mesmo patamar e qualquer discurso nesta direção ou é tolo ou é desonesto. Estamos, enquanto sociedade, no momento de optar por um destes lados. Isso vai acontecer, e vai acontecer agora. É tentar participar, interferir com os instrumentos legítimos, torcer pra escolha ser a certa, e esperar o resultado.

03. Legendarium  - Podemos dizer que já existe uma grande afinidade da Justiça com o uso das novas tecnologias? Em sua opinião, o Poder Judiciário está conseguindo lidar com essas transformações?




Cláudio Lucena - Em um aspecto, o Poder Judiciário brasileiro está lidando surpreendente bem com estas transformações. Está, sem exagero, na vanguarda mundial em termos de utilização de tecnologias no dia a dia da condução de seus processos judiciais. É uma condição que eu tenho podido constatar pessoalmente, porque nos últimos anos tenho estudado e tenho sido um divulgador dessa experiência. 

Há um núcleo de estudo e pesquisas em Direito e Tecnologia no Centro de Ciência Jurídicas da UEPB, e os trabalhos mais importantes deste núcleo, que está se formalizando como um Grupo de Pesquisa são exatamente nesta área. Do ano passado pra cá, publicamos e apresentamos trabalhos relacionados à experiência brasileira de processos judiciais eletrônicos em universidades prestigiadas na Áustria, na Inglaterra, na Grécia, na Espanha, e ainda este ano volto à Europa, em outubro, pra apresentar resultados desta pesquisa na República Tcheca. Em julho deste ano estive na África do Sul, expondo e apresentando o trabalho a pesquisadores, juristas, analistas de sistemas e membros da administração pública sul-africana e a reação é invariavelmente a mesma, em todos os lugares: o avanço do país nessa área surpreende, impressiona e, claro, atrai a atenção para o trabalho. 

Este ano, colegas espanhóis, portugueses, italianos e esta semana um colega sul-africano vem a Campina Grande, todos interessados em conhecer quanto e como avançamos. A sensação de que estamos à frente de todos os demais países do mundo nesta área é muito gratificante, principalmente porque o judiciário talvez seja o segmento mais conservador da sociedade, atrás apenas das religiões mais tradicionais. Ter vencido esta resistência, decidido implementar e adotar estas tecnologias na sua atividade diária, das cortes superiores às primeiras instâncias, abriu caminho para que o judiciário brasileiro possa evoluir, concretizar este movimento e oferecer, num futuro próximo, uma alternativa viável à solução eficiente e em tempo razoável dos conflitos sociais que precisa administrar.

Agora, é preciso registrar que esta posição de liderança é exclusivamente em relação ao uso da tecnologia como ferramenta nos tribunais. Em relação à essência da compreensão das mudanças de comportamento, da velocidade do fenômeno social do uso da tecnologia e das consequências jurídicas propriamente ditas destas transformações, acredito que o judiciário brasileiro, salvo as exceções de alguns magistrados já bastante familiarizados, que contribuem ativamente pensando esta nova realidade, ainda tem compreensão muito estreita, muito limitada, e que precisa avançar muito.

04. Legendarium  - Diante dos grandes avanços tecnológicos, como as universidades devem atuar para a formação deste novo profissional, o “Cyber Jurista”?

 

Cláudio Lucena - As universidades estão preocupadas com a formação deste profissional. Praticamente todas elas já incluem em suas grades curriculares disciplinas que relacionam direito e tecnologia, ainda que na condição de eletivas ou optativas. O que me parece que está acontecendo agora é a concretização de uma ideia já bastante antiga de alguns de nossos antecessores mais visionários, que percebiam há algum tempo que quem conhece apenas direito não tem o repertório suficiente para solucionar os problemas que lhe são postos. Isso é particularmente verdadeiro hoje em dia, e não apenas nas relações entre direito e tecnologia. 

O mundo inteiro é interdisciplinar e sem esta perspectiva um profissional do direito não anda bem. Quem trabalha com direito ambiental precisa ter conhecimento de ecologia, biologia e outras áreas relacionadas. Quem trabalha com responsabilidade civil na área de saúde precisa aprofundar-se nos conceitos, nas informações e na realidade da arte médica. Não estou falando de formação acadêmica, graduação ou pós-graduação, mas da percepção, cada vez mais lógica, de que o direito não age dentro de seu próprio cenário, mas em um cenário social ou profissional já posto, que tem cada vez mais as suas próprias regras técnicas, conformações, particularidades, e é o direito que tem que compreender estas características para que possa solucionar os conflitos de forma adequada. Formação continuada de professores que compreendam esta transformação, leitura, atualização, conhecimento, aprofundamento, formação interdisciplinar complementar, visão mais ampla do que a meramente jurídica, são condições fundamentais pra que as universidades formem um profissional de direito com condições de atuar neste mundo de especialidades, a tecnologia entre elas.

05. Legendarium  - Para finalizarmos esta honrosa entrevista, pedimos que nos fale um pouco sobre sua área de atuação no direito, e o que o conduziu a seguir esta carreira? Deixe-nos também algumas palavras e conselhos para os jovens juristas que almejam seguir este ramo do direito.


Cláudio Lucena - Queria agradecer o convite e externar a minha admiração pela iniciativa do Legendarium. Acompanho o portal desde a primeira entrevista, e considero que vocês estão fazendo uso excelente de um espaço naturalmente democrático pra promover exposição de ideias e uma interação que é fundamental pra nós todos, que vivemos uma transição muito importante entre um tempo em que tudo o que a maioria podia fazer era consumir conteúdo produzido em massa, para um tempo em que a regra é que cada um produza o seu próprio conteúdo e possa divulgar com custos muito baixos e com amplitude antes impensável. 

Eu procurei o curso de Direito depois de concluir o curso de Ciência da Computação. Estava aprovado com bolsa, para o mestrado em Engenharia da Produção, não tínhamos advogados na família, nunca quis fazer concurso público, e portanto não faço a menor ideia do que eu queria naquele momento. O que eu lembro é que achava que a carreira de computação era muito fria, talvez técnica demais pra mim, e também que foi um jeito de influenciar minha então namorada, hoje minha mulher, a tentar o vestibular para alguma coisa na UEPB, porque ela queria tentar Desenho Industrial na UFCG e nada mais. Passaram-se 13 anos, e hoje ela é professora de Desenho Industrial na UFPB, como certamente tinha planejado, mas a minha vida profissional tomou um rumo completamente diferente daquele instante. 

A advocacia, principalmente a advocacia empresarial, que é meu principal foco de atuação, me ensinou muito, já me realizou e já me decepcionou profundamente. É uma montanha-russa profissional, emocional e pessoal que nem todo mundo está preparado pra enfrentar. Acho que a preparação psicológica de um jovem numa faculdade de direito é um dos pontos frágeis da nossa formação. O cliente de um advogado ou de um escritório no Século XXI exige, porque tem condições e ferramentas pra exigir, muito mais do que um iniciante está preparado pra dar. Vitórias e derrotas se sucedem dia e noite, o que seria até normal, dada a natureza do ofício. Mas vitórias absolutamente inesperadas, derrotas totalmente inconcebíveis e batalhas sem fim descarregam doses enormes de adrenalina o tempo inteiro no sangue do advogado. É preciso se preparar para viver assim.

Eu não vejo como me distanciar definitivamente da advocacia, afinal de contas tem sido uma vivência muito intensa nestes quase 10 anos, mas a intensidade de uma paixão é demais pra ser eterna. Nos últimos anos tenho sentido que a Universidade pode me proporcionar uma realidade de trabalho, que, mesmo tendo seus desafios diários e metas de longo prazo, pode ser mais tranqüila, mais serena, tão ou mais gratificante, e com condições de durar por mais tempo, como um amor, talvez pra vida inteira. Aliás, fui professor a vida inteira. Tenho quase 22 anos de sala de aula, mas ainda não tenho nem 10 anos de experiência no Centro de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito de Campina Grande. Quero me preparar pra contribuir com o Centro e com a Universidade, porque acho que é aí que eu devo estar nos próximos anos. Acho que vivemos um momento fantástico, com o programa de pós-graduação crescendo, as vocações de pesquisa surgindo, parcerias chegando, intercâmbio crescendo, a massa de estudantes se transformando, os professores precisando acompanhar, enfim, parece um lugar onde a transformação, por algum tempo, será uma constante, e, portanto, um lugar bastante interessante pra estar e pra trabalhar. Quero fazer parte deste momento, planejar, influenciar, ser influenciado, agir, ajudar a desenvolver e a fazer do CCJ o que eu tenho convicção de que ele pode ser em médio prazo, que é um centro de referência no estudo e na pesquisa em Direito e Tecnologia.


Cláudio Lucena


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Entrevista Feita por Wollney Ribeiro
@wollneyribeiro



Um comentário:

  1. Muito boa, a entrevista com o grande professor Cláudio.
    Acredito particularmente que estamos tendo o privilégio de fazer parte desta transição,pois desse modo,só dependerá de nós,contribuir para um futuro melhor,onde o Direito efetivamente esteja mais perto dos acontecimentos sociais.

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