segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Legendarium Entrevista: Thiago Lia Fook Meira Braga - Parte I

Thiago Lia Fook Meira Braga nasceu em Campina Grande. Graduou-se em Direito pela UEPB (2006) e concluiu Mestrado em Ciências Jurídicas pela UFPB (2009). Entre 2008 e 2009, lecionou Filosofia do Direito e História do Direito como professor substituto na UEPB. Em paralelo, dedica-se apaixonadamente à vida literária. Como escritor, publicou um livro (poesia natimorta e versos sobreviventes) pela editora Bagagem em 2010 e vários contos e poemas em sítios e revistas na internet (Sibila, Germina, Blecaute). É membro do Núcleo Literário CAIXA BAIXA (http://caixabaixa.org) e edita um blogue de literatua e filosofia (http://thiagoliafook.blogspot.com). Conversamos com ele a respeito de assuntos ligados à filosofia do direito. Veja a primeira parte desta enriquecedora conversa:


01 - Na sua concepção, o pós-positivismo é uma forma de superação da dicotomia entre direito positivo e natural, ou tão somente uma nova corrente filosófico-jurídica? Este termo se confude com o Neoconstitucionalismo ou são pensamentos diversos?

Em primeiro lugar, agradeço a gentileza com que fui convidado para responder à entrevista. Eu penso que a utilização do prefixo ‘pós’ para designar uma ou mais de uma corrente de idéias é suficientemente genérica para não implicar nada além de certa noção temporal. Quando se fala em pós-modernidade, por exemplo, faz-se referência a algo que se acredita ter sucedido a modernidade; entretanto, não há qualquer precisão nesse uso. Por outro lado, a insistência no ‘pós’ é simbólica e funciona como o estandarte que certas idéias e valores portam durante a batalha travada para se insinuar na ordem do discurso e, eventualmente, desbancar idéias e valores contra os quais se impõem. O uso da expressão ‘pós-positivismo’ traz consigo essas duas intenções: ele demarca temporalmente e reúne simbolicamente um conjunto de teorias variadas que têm em comum a afirmação da possibilidade de fazer ciência do direito sem reduzi-la à investigação formal e abstrata do ordenamento jurídico. Nesse sentido, o “pós-positivismo” abrange o neoconstitucionalismo sem que este esgote aquele; além disso, mesmo dentro deste último, encontram-se teorias diversas entre si. Vejamos dois exemplos. A teoria dos direitos de Dworkin e a teoria da argumentação jurídica de Alexy são referidas como neoconstitucionalistas; contudo, embora cheguem a resultados próximos em virtude da relevância que concedem aos princípios como normas jurídicas, ambas partem de pressupostos distintos e, por esse motivo, seguem por caminhos diversos: a teoria de Dworkin é uma refutação de Hart, enquanto a de Alexy é um desdobramento da teoria do discurso. Como segundo exemplo, poderíamos pensar na teoria estruturante do direito, de Friedrich Müller, que se encontra nos horizontes “pós-positivistas”, mas não me parece classificável como neoconstitucionalista: Müller se propõe, em suas próprias palavras, a continuar de onde Kelsen parou e, ao fazer isso, propõe um conceito aberto de norma jurídica que vai além do texto, do signo lingüístico, e inclui os fatos como elementos estruturais da norma. Bom, mas ainda temos outras perguntas pela frente e ainda nem esgotei as possibilidades desta. Então, para concluir, diria que não penso em dicotomia direito positivo/natural. Obviamente, ela só surge diante de determinados pressupostos, com os quais não comungo. Se pensarmos, por exemplo, com Kelsen, o direito natural é algo que simplesmente não existe, portanto não pode compor uma dicotomia.

02 - Ainda a respeito do Neoconstitucionalismo, diversos doutrinadores têm falado do movimento intitulado de constitucionalização do direito privado, como é o caso de Luis Roberto Barroso. Esta concepção é adequada, ou seria um contrassenso visualizar a questão deste modo, já que nosso ordenamento já tem assentado a supremacia constitucional há muito tempo?

Permitam-me responder a esta pergunta a partir de uma perspectiva que talvez não seja a esperada. Diante de qualquer objeto a ser estudado, tendo a pensá-lo historicamente. Assim, minhas investigações consistem muito mais no esforço de compreensão das circunstâncias históricas de um conceito, uma teoria ou uma tendência do que na apreensão destes em si. Considerado esse esclarecimento, penso que a chamada constitucionalização do direito privado corresponde à superação do liberalismo clássico no terreno do direito. Pensemos em um exemplo histórico para melhor entender o que afirmo. No princípio do século XX, quando surgiram as primeiras leis trabalhistas no Brasil, antes mesmo do governo de Vargas, elas eram consideradas inconstitucionais, porque implicavam a interferência do Estado na autonomia da vontade. Na melhor tradição liberal do século anterior, pensava-se que o contrato (instituto nuclear do direito privado) era assunto tão-somente dos contratantes, quaisquer que fossem suas circunstâncias, e lei alguma poderia interferir nisso. Nesse contexto, à Constituição cabia assegurar as liberdades individuais clássicas e nada mais na esfera privada. Ao longo do século XX, isso entrou em crise em todos os países capitalistas onde a conjunção de pressões sociais com a atuação de partidos políticos de tendência socialista forçou a ordem liberal a fazer concessões para evitar revoluções. À medida que os direitos sociais e outros, de geração mais recente, foram incorporados à Constituição, o contrato deixou de ser indevassável e, nesse sentido bastante peculiar, foi constitucionalizado; entretanto, não podemos dizer que as constituições liberais não tenham cuidado dele. Agora, façamos uma modulação do problema: os direitos sociais não foram detalhadamente integrados a todos os textos constitucionais. Na França e na Alemanha, por exemplo, eles são enunciados de forma muito genérica e deixam à lei ordinária o papel de estabelecer os direitos mais específicos. Já a Constituição brasileira, por exemplo, é muito detalhada; por isso, talvez, pensemos de uma forma mais nítida em constitucionalização do direito privado. Obviamente, minha perspectiva não esgota o problema, mas penso que ela contribui para evitar uma incongruência; afinal, se contratos e leis ordinárias integram o mesmo ordenamento jurídico cujo fundamento de validade é a Constituição, seria incoerente falar-se de constitucionalização do que já está formalmente constitucionalizado.
 

 Entrevista feita por Rodrigo Ribeiro
@rodrigolgd

Semana que vem, teremos a segunda parte desta ótima conversa. 

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